Palavras
Sinto um aperto no coração. Pego na caneta e tento escrever... Tento traduzir em linguagem compreensível, o que não consigo perceber.
As palavras não saem... A folha permanece branca e tu escondida dentro dela. Tu e os outros todos. Tu e aqueles onde te procuro e te tento reinventar, a ti que és tudo o que quero. Fito a folha furiosamente, como se a culpasse da minha imaturidade. Gostava de poder escrever tudo o que sinto. Gostava de poder ter à vontade para não andar à deriva, gostava de te escrever uma carta de amor e gostava de te encontrar nalguma noite escura, num dos becos desta cidade cinzenta onde me escondo...Tentei ser o que não era e sentir o que não sentia. Tentei ser mais forte do que sou. Tentei ser feliz onde só vislumbrava escuridão. Achei que conseguia... Achei que tinha todas as respostas, mas algo chegou e mudou-me todas as perguntas.
Agora onde as posso procurar? Em ti...? Como se é de ti que eu fujo cada vez que me aproximo? Tu não és real. Não posso procurar perguntas ou respostas num sonho ou numa fantasia... E ironicamente também não posso continuar neste vazio labirintíco, à procura de respostas às perguntas que não conheço... Agora mudei. Agora procuro as perguntas. Procuro as perguntas em ti... em mim... neles e no tempo. No tempo que me parece tão fugaz e sem sentido... No tempo, na prespectiva, na dúvida se não será a memória o ponto crucial do nosso ser, porque o momento simplesmente passa... Às vezes pergunto-me se realmente vivo. Quando estou sozinho na escuridão apaziguadora do meu quarto, pergunto-me se todas as memórias, se todos os momentos realmente existiram e que momentos irrefutáveis os seguirão... Na escuridão do meu quarto procuro as perguntas em orações, no meu coração e no tempo que não consigo agarrar. Tenho medo que todos os momentos passem e que chegue ao derradeiro que durará uma eternidade... Descobri que tenho medo de apagar ou de esquecer as minhas memórias, porque elas dão sentido ao presente e aos momentos e trazem a doce ou amarga expectativa do futuro, que me faz sempre continuar em frente...
A vida é tão irónica e tão fugaz. A vida não tem sentido. O presente não tem sentido. Porque no momento a seguir passa a ser passado... Não percebo.
Não encontro as palavras. Não há palavras para descrever o que eu não compreendo. Não há nenhuma linguagem matemática ou outra, capaz de traduzir toda a plenitude de um ou mais sentimentos humanos...
As palavras... tão fugazes. Às vezes acho que são as palavras que marcam realmente algo na sequência da vida louca que vivemos... Na vida suja e podre em que vivemos. Na decadência que nos precede, que apodrece os nossos gestos, que viola as nossas virtudes e que corrompe as nossas intenções. Na lasciva vontade desprovida de nobreza que nos move. Porque fazemos o que fazemos? Porque fazemos o errado se sabemos à partida que não resulta? Porque não nos arrependemos de o fazer...?
No outro dia pensei sobre as crianças e em como cada novo humano tem que reaprender o que os seus antepassados se esforçaram por perceber e descobrir e achei que se houvesse alguma forma de passar estes conhecimentos geneticamente, muita sabedoria estaria ainda hoje conservada... E perguntei-me porque não seria assim. E percebi. Originaliade. Autenticidade. Não poderiamos ser diferentes, ser únicos e distintos se não nos fosse dada a oportunidade de reaprender o que os nossos pais e avós já sabiam... É esta reaprendizagem que nos fornece a originalidade e a capacidade de inovar e de formar opiniões e ideais diferentes sobre o Mundo.
E esta é a escolha mais bonita e libertadora que nos foi dada, quando nos foi impingido o nascimento... Vale a pena viver. Vale a pena procurar as perguntas. Vale a pena tentar. Vale a pena errar. Vale a pena viver a fugacidade de cada momento para poder viver outro a seguir.
Vale a pena ficar deitada no escuro à deriva... Porque assim sei que ainda me resta o mistério... a descoberta, o momento a viver. Haverá algo mais poético que isso?
A oportunidade...
Esta é a minha. E eu vou vivê-la. E vou errar se assim for necessário. E vou aprender com isso. E vou voltar a errar. E vou voltar a aprender com isso... E algures no caminho hei-de encontrar a paz e o culminar de todos os momentos.
Se isto não faz sentido, não sei o que mais possa fazer...Estas são as minhas palavras sem sentido. Palavras que se soltaram dos dedos e que formaram um texto confuso e emaralhado.
Não importa... Continuam a ser as minhas palavras.
Palavras...
Palavras...
Terão vocês o poder de ecoar? De ecoar na eternidade? De ecoar dentro do coração de alguém...? Estão a ecoar no meu! Conseguem ouvi-las...?
Chiuuu...
Silêncio... É lá que elas se escondem... Prontas para sair quando as soubermos escutar...
Chiu...
Silêncio.
Palavras.
Vida...
Tu.