Adormece
Adormece...
Deixa-te cair nesse leve estado em que pões a cabeça lentamente sobre a almofada, em que repousas de forma tímida sobre a esfera do mundo à tua volta, dormes agarrada para um lado, com a boca sobre a almofada...como se a beijasses de volta ao conforto que ela traz, pela sua textura macia que tu adoras, aos teus cabelos como uma pintura exposta sobre a cama.
Fecha os olhos agora e pensa em qualquer coisa, pensa e não penses muito, deixa a imaginação levar-te onde for que ela te leve, não racionalizes demasiado, não penses sobre o pensar, não queiras perder o sono a pensar na vida, quando a vida é feita sem pensar, sem lógica, é reacção,acção e direcção, é um estímulo que nos leva...é o impulso eléctrico da alma carregada do poder fulminante do amor.
Antes, faz com que a tua maneira de dormir seja o teu estado mais puro, sem que ninguém ou nada te possa incomodar, como uma fotografia sem acção, só a sensação leve de alguém a voar em sonhos...
Adormece por favor para que eu possa ir sonhar contigo também, para que nada se interponha entre nós, para eu poder encostar a minha cabeça à almofada e pensar em ti, como nunca pensei antes, como só tu me podias levar a pensar, estende a mão enquanto dormes sem teres noção, estende o braço bem no ar, finge que me tocas nem que seja só para eu sentir que estás aí...e eu vou de olhos fechados abrir os meus braços, vou sorrir sem saber que estou a sorrir, sorrir-te e agradecer que tenhas vindo ter comigo hoje, ontem ou amanhã...
Vou tocar a ponta do teu dedo com a ponta do meu, como se bastasse só isso e mais nada para te poder tocar em todos os lados, como se aquela extensão fosse o teu todo e o meu dedo, fosse eu na totalidade, só tu e eu, mais nada...puro vazio de ausência corporal...estados superiores e sentimentos puros...consegues sentir?
Deito-me e espero, como se a cama fosse um casaco de forças que me prende e não me deixa adormecer, dizes-me do teu lado que não consegues dormir, imagino a confusão, a luta dos dois lados para adormecer...os dois a querer correr para a estrada à chuva, sem conseguir sair deste estado de confusão, de aperto, a roupa da cama enrola-se nos pés, parece demais, parece o casaco de forças, o corpo ressente-se em espasmos e reclama por outra coisa, reclama por alguém...pede-te, ordena-me o teu nome em vozes diabólicas, eu entro em febre e ardo, queimo o teu nome na testa, grito e peço que venhas rápido, mais rápido, ainda mais que isso, do nada...aparece-me agora...! A almofada é uma máscara que eu de forma paranóica julgo, me vai engolir a cabeça, sugar os meus sonhos, prender a minha imaginação, tirar-me todo o prazer de te querer, vai tornar-me racional, robótico e sem sentimentos, vou ser uma máquina que se consome a si mesma em dor? Não vou, não quero, não será assim! Sou eu! Sou eu! Grito e esperneio contra o mundo, contra a escuridão...tento em vão alcançar a luz que agora está longe, é tudo o que me resta, mas não está lá, os cobertores enrolam-se em mim como se me enterrasse em areia movediça, prendem-me e eu já não tenho força para gritar, para chorar, para ser infeliz...só grito pelo teu nome, espero que ouças, que venhas...!
Tiro a almofada debaixo da cabeça e atiro contra os fantasmas, morram, desapareçam,não sejam mais do que isso mesmo, fantasmas, alucinações, extinção, supressão e aniquilação! Fantasmas e paranóias, sejam mais do que aquilo que vos peço, sejam zero e pó, vento vos leve e me traga por favor a calma...a almofada atinge-vos e tudo cai por terra...silêncio dos ponteiros do relógio, marca-se o tempo e eu não adormeci.
Pouso a cabeça na cama, lembro-me do que disseste e sorrio, estás aí...eu sei que estás. Dorme comigo hoje, ainda que distantes, camas diferentes e escuridões diferentes...mas dorme comigo hoje.
Trago-te comigo e sinto tanto, tanto a tua falta...
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