Não acreditava no que os meus olhos me diziam, por isso servi-me dos meus sonhos, descobri o que já sabia, e aprendi uma nova maneira de voar...

terça-feira, abril 25, 2006

Devaneios

Não sei muito bem que fazer
Se ler, escrever ou simplesmente
Apagar a luz e dormir
Não sei que pensamentos hei-de ter
Antes de me sentir conduzir pelas nuvens
Ao paraíso dos sonhos
Não sei bem se me levante
Logo que o despertador toque
Ou se o desligue e volte a adormecer
Não sei se vista preto, vermelho, branco ou azul
Não sei se saia de casa
Com um sorriso nos lábios
Ou de óculos escuros
Não sei se me apetece rir e cantar
Ou simplesmente fechar o rosto
Não sei muito bem o que me apetece
E não estou com paciência para pensar muito nisso
Acho que o que me apetece é ser natural
E não fazer qualquer esforço para contrariar reacções
Acho que o que agora me apetece é um café e uns raios de Sol no rosto

Monotonia

Noites sem estrelas
Camas sem ninguém
Folhas sem vento
Ar sem cheiro
Lugares sem som
Diálogos sem palavras
Olhos sem sono
Água sem sede
Mãos sem vontade
Cabelos sem ondas
Dias sem Sol

quinta-feira, abril 20, 2006

Realpolitik

Quando é que deixámos de nos preocupar? Desde quando é que querer um mundo mais justo se tornou num discurso demagógico? Para que planeta é que fugiram os idealistas? Porque é que, assim que nos indignamos com a prepotência dos mais poderosos, vem logo alguém, sobranceiro, ensinar-nos que o mundo não é o paraíso que queremos, que é mais pragmático, que os interesses das pessoas e dos estados se sobrepõem a critérios de decência? Porque é que ao ler estas questões torcemos o nariz e dizemos que ingenuidade!?

Somos um povo triste e mesquinho, com excepções.
Temos um complexo de inferioridade crónico, canceroso, daquele tipo que pode ser controlado mas que não desaparece. Somos o povo saudoso do passado imperial que, qual cão ferido e encurralado, se assanha na recordação de Tordesilhas e de como já fomos donos de metade do mundo. Mas, no fundo, somos o povo do pode ser.
Somos um povo de cócoras, agachado, que quando queremos muito alguma coisa aceitamos outra coisa qualquer porque pode ser. Somos o povo do pode ser esta? quando pedimos outra.
Aceitamo-lo porque a vida não é o que queremos dela, temos que ser pragmáticos. Somos quase tão ridículos quanto a aversão dos homens de esquerda às gravatas, ingenuidade de pensar que a justiça se encontra a partir da gola-alta. E à realpolitik respondemos com um muito bem! porque pertencemos à parte moralizadora do mundo e aceitamos qualquer sacrifício dos outros.
Morrem pais e filhos além porque alguém daqui o disse? Azar. É a vida. Tem que haver sacrificados para que este mundo viva em equilíbrio. Até porque se disséssemos outra coisa qualquer passaríamos a pertencer ao grupo dos ingénuos e demagogos, e isso não. Afinal já fomos donos de metade do mundo.

Vazio.. sozinho

O vazio que fica quando deixamos de amar alguém não é nada comparado com o vazio que fica quando esse alguém deixa de nos amar a nós ou quando nos apercebemos que esse alguém não gosta de nós.

Sozinho no mundo. Perdido. Sem estar à procura. Sim, sem demanda de nada. Vazio. Profundo e eterno vazio. Vazio no nada. Há maior sensação do que esta ausência do nada no nada? O tempo corre sem tempo nem mais tempo nem menos tempo. Sem relógio. Nu. Quase que despido. Só uma toalha de banho que escorre pelos braços e entre as pernas. Umas gotas de água no corpo ainda e os cabelos húmidos. Sem interesse em limpá-las. Sem senti-las. Vazio dos sentidos todos. Todos. A respiração é automática mas oiço-a como se fosse de outro corpo que não desperta interesse. Como uma figura de arame que se dobra e perde-se debaixo de uma cómoda cheia de coisas que nunca nos vai deixar ver o arame torcido e perdido por baixo. Em baixo. Encolher-me debaixo do edredon branco, nu com a pele sem marcas de nenhum sol. Sozinho no espaço em deriva sem sentidos nem sentido nem procura nem direcção sem esperança de nenhum destino.

quarta-feira, abril 19, 2006

Desejo

Que desejo de ser dois
Para nunca estar só.

Que desejo de ser tu
Para me fazer companhia.

Que desejo de ouvir
Para nunca falar só.

Que desejo de ser bom
Para expulsar o mal de mim.

Que desejo de ser forte
Para me apoiar em mim.

Que desejo de ser lúcido
Para me guiar claramente.

Que desejo de ser chave
Para me libertar das grades.

Que desejo de ser cobertor
Para me proteger do frio.

Que desejo de ser tumba
Para ter onde descansar.

Apocalipse

Hoje é o fim
De um sentimento ousado

De hoje em diante
Homem algum
Poderá amar
Mulher alguma

O sol vai morrer
Em agonias vermelhas
De cólera

As flores morrerão
De frio humano

O céu escurecerá
De negrura humana

Estrela alguma
Jamais brilhará
Em coração humano

Esta manhã de sol
É o fim
Da era do Homem

quinta-feira, abril 13, 2006

Espera

Dias de espera
De telefones que não tocam
De notícias que não chegam
De silêncio que ensurdece.
Horas de espera
Em que a angústia cresce
O peito se enrola em nó que sufoca
E a imaginação voa em negros céus.
Minutos de espera
Em que o tempo se distorce
E segundos são minutos
E minutos são horas
E horas são dias…

De espera.

quarta-feira, abril 12, 2006

De morte alguma se diga...

De morte alguma se diga
que é apenas transitória. E talvez seja
melhor assim: sem a surda
dolência das palavras, dos acenos,
a querer atenuar
esta irremediável ausência
a mágoa mortal da partida.

Por mais difícil que seja
recordar-te é sempre aqui
entre imperiais e pires vazios
que te sinto, que te sorvo
sem curar de saber
no mapa ou na geografia das datas
o rumo que tomas
o perfil com que surges
coberta de musgo e flores de Maio
em cada porta que se abre.

E que nunca em nós abrande
este amor que nos liga
aos frutos, às sementes, aos amigos,
este saber dar o que temos
dentro do peito aconchegado:
o sorriso, a carícia,
o imperceptível beijo
ao despertar. E assim
por nós vão passando os anos,
inumeráveis rugas e vestígios
deste tempo que se muda
para além do que sabemos.
E que neste jeito de mudança
nunca as mãos deixem
de sentir o mundo
alucinante e veloz
agitando-se em redor.

sábado, abril 08, 2006

Tempestade

Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.

quinta-feira, abril 06, 2006

Mapa perdido

Percorro-me devagar, cuidadosamente
Arqueólogo de mim mesmo
Procuro nos destroços e encontro
Pedaços de vida por viver
Construções nunca acabadas
Túmulos dos que amei e matei.
Insisto,
Continuo em busca do local
Onde perdi os sonhos
Os desejos
Os projectos
O mapa original da minha vida.
Sei que nalgum ponto do caminho
Me virei para o lado errado
Porque de mim me esqueci.

Pensamento

Não creio, no sentido filosófico do termo, na liberdade do homem. Todos agem não apenas sob um constrangimento exterior mas também de acordo com uma necessidade interior.