Não acreditava no que os meus olhos me diziam, por isso servi-me dos meus sonhos, descobri o que já sabia, e aprendi uma nova maneira de voar...

terça-feira, maio 23, 2006

Sussurro

No murmúrio apagado
desta noite,
no balançar cansado
de serões preenchidos,
acompanhados,
invoco o estado puro de solidão.
E desejo a sala vazia,
o quarto silencioso,
o acenar mudo
de fantasmas inventados...
Porque é no respirar só
que as palavras se levantam;
Porque é no adormecer só
que os sonhos fluem;
E porque amar
é amar só.

Homenagem

Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E sé me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

sexta-feira, maio 19, 2006

Do que ficou por dizer

Os comunicadores puros preferem o ruído, as vozes, a agitação das expressões e reacções, e nisso se saciam e concluem. Os que escrevem preferem o silêncio e o recato, e aí lançam na escrita o que normalmente calam, num exercício onde tentam reconstruir o que lhes ficou por dizer. É um lugar de resíduos do que não chegámos a falar ou a fazer acontecer, um espaço para onde se trazem as coisas incompletas cujo fim não ousámos ou não conseguimos concluir.

A escrita é a linguagem dos tímidos e dos ávidos.

Ilusão

O sol quer agarrar o Mundo.
A criança foge com ele. Bem apertadinho na sua mão.
A criança corre, corre, corre.
A criança cai. Levanta-se. E corre.
Na sua mão, bem apertadinho, segura o Mundo.
E o Mundo quase que lhe escorre por entre os dedos.
O sol pede ajuda à lua...
E a criança aperta ainda mais.
Quase que o amachuca.
(Doem-lhe os pés de tanto correr...)
Ah... Mas o Mundo há-de ser seu!
Há-de moldá-lo de outro jeito...
Talvez quadrado!
Sim... quadrado! Pois está visto que redondo não funciona bem!
Quem sabe se com o Mundo quadrado, os homens páram nas arestas para pensar?!
Talvez até encostem as armas aos vértices!
Sim, está decidido! Será quadrado. Ou melhor, será cúbico!
Enquanto isso, a criança continua a correr
com o Mundo redondo na mão
até que possa parar
para o moldar a seu jeito!

sábado, maio 06, 2006

Gestos

Caminho pelas palavras.
Solto pensamentos.
Liberto angústias.
Partilho alegrias.
Através das palavras mostro o que sou, como penso.
As palavras são cruas, unas.
As frases por elas construídas possuem o dom de nos conduzir por um caminho que nos leva a uma ideia. Reveladora.
É nas palavras que dou a conhecer uma parte do meu mundo.
Para me revelar totalmente não chegam as palavras. É ainda preciso o olhar, o calor dos abraços, a construção do gestos, o viver e sentir em conjunto.
Amo as palavras mas não é aqui que me dou a conhecer.
É na vida, nas vivências, nas cumplicidades, nas lágrimas e nas alegrias.
As autênticas declarações de amor que aqui deixo são muito mais que apenas palavras. O “amo-te” dito olhos nos olhos tem um valor inqualificável.
As palavras levam-nos por um caminho. Caminho esse que jamais terá fim se não materializarmos e realizarmos o que dizemos.
Gosto de palavras. De as ouvir e de as dizer. Mas aprecio muito mais os gestos.