Não acreditava no que os meus olhos me diziam, por isso servi-me dos meus sonhos, descobri o que já sabia, e aprendi uma nova maneira de voar...

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Imortalidade

Passeei-me por onde há muitos séculos ninguém passa. Sentei-me onde há muito ninguém descansa, e sorri onde a imortalidade há muito não me deixa chorar.
Fui rei, escravo, pastor, escritor, homem. Perdi a alma, onde há muito tempo outros também a perderam. O caminho continuou mas eu parei. Parei e encontrei-a sentada, onde também há muito tempo ninguém descansava. Perdera a alma. Sim, perdera-a onde há muito, outros também a perderam. Porém. Ela não sorriu onde há muito tempo ninguém chorava.
Fora mulher, actriz, feiticeira, rainha, escrava. Escrava de uma imortalidade que a deixava ver aquilo que há muito tempo ninguém via. Viu. Ouviu. Sentiu. SOFREU. Sonhou, acordou, morreu e viu-se imortal. Procurou onde há muito ninguém procurava. Mulher, mãe, rainha de um sítio onde há muito ninguém reinava. Viu-se coroada, com pompa. Viu-se brilhar num palco e viu-se aplaudida. Chorou. Sorriu. Mas agora. Agora senta-se onde há muito ninguém pára. Enfeitiçou um milhar de homens, sorriu-lhes a todos. Embruxou-os, desafiou-se a conhecer os recantos do inconcebível. Voou mais alto que a própria altura, desafiou os limites do verídico.
Foi escrava. De um amor. Não respeitado. Foi escrava de um amor, que se tornaria imortal. Foi escrava de si, e do seu ser igual a alguém que não existe há muito tempo. Um amor por mim.... ele... eu. Uma marca escarlate, marcada por alguém que há muito já cá não está. Uma marca de carne, um amor de tédio milenar.
Não me reconheceu. Não a reconheci. O nosso passeio continuou na eternidade. Fui rei, governei. Fui pastor, cuidei. Fui escritor, sonhei. Sou homem, sou escravo da minha existência, da minha imortalidade. Cruzámo-nos. Sentimo-nos. Morremos, imortais.