Folhetim nº 7 – A história de Zé Ro – A Infância
Tudo começou a correr um pouco melhor quando o pai do puto conseguiu arranjar emprego. A bem dizer aquilo não era bem um emprego, seria mais um trabalho. Foi o Centro que lho encontrou já que ele sozinho não teria conseguido, ainda que o tivesse tentado. Naquele dia, lá em casa, dos três, havia dois contentes com a situação e um mais insatisfeito e, dos dois mais felizes, nenhum deles tinha que se levantar mais cedo no dia seguinte para ir trabalhar.
Pois, o pai do puto não tinha ficado verdadeiramente feliz pela escolha. “Olha que ele há cada um”, dizia ele, “então praí tantos desempregados foram logo escolher-me a mim! É o que dá não ter cunhas! Olha que não chamaram o filho do Oscar do Banco. Pois está claro que não... Tinham que chamar o Rodrigues, não tem padrinhos!”
Aquilo em termos líquidos ia representar uma melhoria de salário, em relação ao subsidio de desemprego, de 100% e, por tão pouco, mais valia estar quieto. Mas no Centro, numa atitude déspota, não permitiram mais uma recusa e disseram-lhe que se não aceitasse aquele trabalho, o despediam. “Então e se me despedirem daqui do Centro de Emprego onde é que me inscrevo?” perguntara na altura o velhote, “Vá mas é trabalhar!”, responderam-lhe, “Pois... eu queria ver era se não me calhava isso!”, retorquira, “Então só há uma hipótese, tem que ir à Junta e concorrer ao Subsidio!”, tornaram, “Concorrer...!? Quanto é que se paga pela aposta?”, disse, “Vá-se embora”, vociferaram-lhe, e ele foi.
Chegou o dia da apresentação ao serviço e o Rodrigues lá foi com a marmita debaixo do braço e a roupa mais apresentável vestida, sim, porque era um homem pobre, mas honrado e vaidoso. “Ora cá está o Sr. Rodrigues, pessoal, é o novo Técnico-Auxiliar de Salubridade das Áreas Comuns e dos Mecanismos Elevatórios de Pessoas e Cargas”. Aquilo soou-lhe logo bem, aliás, não deixou de suar durante o resto do dia. Agarrado ao carrinho das limpezas, lá andava o Rodrigues de um lado para o outro, de esfregona na mão, a tentar não ser visto a fazer o que quer que estivesse a fazer. Foi então que o Sr. Doutor Juiz o viu, sentado nas escadas a reflectir sobre o caminho que a humanidade estava a tomar ou na forma de se escapar dali para fora. “Quem me dera ser varredor!” atirou-lhe o Juiz já alterado, “Estudasse!” dissera-lhe o Rodrigues, ainda muito a tempo do Juiz o ouvir e de lhe apontar o dedo em atitude pouco condigna com a sua Douta posição. Lá acabou o primeiro dia sem conhecer completamente as suas funções, ou pelo menos o chefe aceitou a desculpa como boa e prontificou-se, desde logo, a instrui-lo melhor no dia seguinte.
Os problemas aconteciam a seguir ao trabalho. É que o Rodrigues gostava mais de vinho do que de trabalho, mas isso nem era o pior porque não tinha mau vinho. O pior é que gostava mais de bagaço do que de vinho, e esse era um problema grave, porque com o bagaço era velhaco. E, normalmente, ressacava nos costados do Zé Ro e da mãe. Só nos melhores dias é que isto não acontecia e era sempre uma alegria naquela casa quando tocava o telefone e do outro lado falava o Rogério, já perdido de bêbado, a dizer que o Rodrigues estava desmaiado no bar e que tinham que o ir buscar. Logo o Zé Ro e a mãe se levantavam, vestiam e perfumavam e saltitantes, lá seguiam em direcção à taberna.
Esta melhoria das condições em casa reflectiu-se imediatamente na produtividade do puto na escola pelo facto, desde logo, de ter começado a frequentá-la diariamente. E também melhorou a sua relação com os colegas a partir do momento em que os pais lhe ofereceram uma bola em segunda mão, por altura do Natal, que se aguentava, sem mentir, uma boa meia-hora sem esvaziar, o que permitiu que o Zé Ro deixasse definitivamente a baliza e começasse a decidir também as regras do jogo, marcação do campo e outros privilégios do dono da bola. E como era mais velho quase dois anos que os outros, também deixou de levar porrada de toda a gente e passou a levar apenas dos mais fortes, o que significou uma descida significativa de calduços por dia útil de trabalho.
Foram os tempos mais felizes da sua infância. E naqueles tempos o Zé Ro só esperava que o pai, homem de vicio fácil, se viciasse no trabalho. Nunca aconteceu, mas lá se aguentou, de ameaça em ameaça, até à reforma, sem nunca ter percebido bem o que fazia. Aliás, nunca conseguiu, sequer, pronunciar correctamente a categoria profissional e, menosprezando-se e à sua função, dizia-se ser um varredor de escadas, o que nem sequer era das suas atribuições ou competências, já que essas estavam a cargo da Dona Leonor, a Técnica de 1ª Classe de Conservação de Acessos Irregulares Não Rolantes e de Superfícies Vítreas de Interior e Exterior, Funcionária de 2º Escalão da Carreira Subalterna da Função Pública...
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home