Não acreditava no que os meus olhos me diziam, por isso servi-me dos meus sonhos, descobri o que já sabia, e aprendi uma nova maneira de voar...

quinta-feira, outubro 06, 2005

Folhetim nº 5 – A história de Zé Ro – A Infância

As coisas na escola não corriam nem bem nem mal. O puto só não percebia o que é que estava ali a fazer! Se o objectivo daquilo era prepará-lo para um dia tirar um curso superior porque é que estavam ali a perder tempo com tretas como P-A PÁ T-O TÓ. O que raio é um PÁTÓ!? É uma tralha qualquer da primária que ninguém entende! Percebeu logo que era essa a razão da literatura só aparecer no currículo passados uns sete ou oito anos. A juntar letra a letra só passado esse tempo é que se consegue ler um texto decente!

Ele bem tentava dar alguma animação àquilo mas a professora não levava isso com grande humor e acertava-lhe dez reguadas para ver se lhe passava o furor. Ficou-lhe dessa altura o tique de piscar os olhos e encolher os ombros sempre que contava até dez.

Era quando a professora mandava sair para intervalo que o puto renascia. Lá se juntava com os outros futebolistas numa peladinha a sério. Até inventou uma táctica para não parecer que era sempre o último a ser escolhido. Deixava os outros começar o jogo e aparecia logo de seguida;

- Ei, também posso jogar? Estes estão a menos!

Embora a equipa escolhida dissesse logo;

- Não faz mal Zé Ro, deixa lá!

a outra começava logo a contagem. Isto às vezes demorava um bocado!

- Ora bem - dizia o Chico que já andava na segunda classe - um, dois, … dois… qual é a seguir?

- acho que é sete! - dizia o Zé Pedro que era o filho do carteiro.

E lá ficavam sete de cada lado sempre com a mesma táctica, o Zé Ro na baliza, um gajo à frente dele e dois avançados. A outra equipa tinha três avançados sendo um deles também guarda-redes. Aquilo é que era! É claro que metade do jogo era passado a discutir as regras do guarda-redes volante ou da linha lateral ou mesmo da marca de grande penalidade que, dependendo do dono da bola, era três ou vinte passos, mas eram momentos de verdadeira felicidade. Tudo se resolvia a contendo e quase sempre sem violência. De verdade, de verdade, as coisas só azedavam quando as raparigas lhes ocupavam o campo com brincadeiras mariquinhas de bonecas e casinhas. Normalmente nestes encontros entre gangs a bonecada ficava com deficiências permanentes ao nível da amputação dos membros e lá corria reguada para tudo quanto fosse rapaz porque as meninas eram umas queixinhas desavergonhadas. E não melhoram com o tempo...

Mas o intervalo acabava logo. Muitas vezes ainda eles não tinham partido nenhuma janela e já a professora tocava a sineta. Era muito rígida!

Lá dentro o método pedagógico resumia-se às cópias. E o puto era bom a copiar! Dava muito menos erros que nos ditados, esses é que eram um terror com a professora lá à frente a falar como que em câmara lenta e isso adormecia-lhe o cérebro e não só.

- o… mo-cho… re-bo-cho… vo-a-va… ponto final - dizia a professora;

- o qu’é que é vuá va!? - perguntava o Zé Ro ao seu colega de carteira;

- vuá va quê!?;

- quê o quê!?;

- Ah!?

E nem valia a pena perguntar outra vez porque o Manel também não tinha percebido nada. Era burro como um testo, fez-se deputado da nação. O puto tinha que se fazer sozinho e não podia contar nem com a professora que essa era ainda mais incapaz do que o Manel ou não tivesse ficado na Escola Primária por quase trinta anos! O Zé Ro fê-la em seis!

E assim correu a escola até ao dia em que, sem ajuda de ninguém, conseguiu segurar a caneta apenas com uma das mãos. Na escola é essencial ter sempre uma mão livre mas ele só compreenderia isso passados uns anos.